Foto da antiga Faculdade de Medicina no Terreiro de Jesus, Salvador |
Bem, antes de tudo que fique o registro de que a simplicidade é apenas relativa. Como mostram dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, o Brasil em 2008 possuía um sistema de Educação Superior (ES) com uma dotação global de aproximadamente 1,4% do PIB nacional, um indicador maior que de países como a Alemanha, Itália, Espanha e a média da União Europeia¹. Deixando os números de lado, dada já a dimensão da coisa, passemos à história, a qual, infelizmente, não revela muitos fatos, ao menos não tanto quanto gostaríamos.
Tradicionalmente, considera-se que é com a chegada da família real no Brasil que se inaugura o ensino superior no país. Em 18 de Janeiro de 1808, é criada a Escola de Cirurgia, atual Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia, em Salvador. No mesmo ano é instalada a Escola Anatômica, Cirúrgica e Médica do Rio de Janeiro. Em 1827, são criados os Cursos de Ciências Jurídicas e Sociais em São Paulo e Olinda. Completando o grupo das chamadas profissões imperiais, as Engenharias desenvolvem-se ao longo do século XIX, com a implantação de cursos e Escolas Militares, Navais e de Minas. Do modo como foram organizados esses primeiros cursos superiores, duas características são marcantes: a organização autônoma (não-universitária) e a preocupação basicamente profissionalizante.
Mais uma vez relativizando a simplicidade do tema, problematizo adiante esse marco do ES brasileiro. Expulsa de Portugal e suas colônias em 1759, a Companhia de Jesus foi responsável pela educação colonial no Brasil, orientada religiosamente e com um modo de organização curricular que compreendia os estudos secundários e superiores, com direito a cerimônias de graduação acadêmica, anel simbólico, livro de juramento, capelo azul e quatro faculdades superiores². As solenidades e rituais obedeciam ao protocolo da Universidade de Évora, em Portugal, pertencente aos jesuítas, e chegou-se a solicitar o reconhecimento do Colégio dos Jesuítas na Bahia como Universidade, o que foi negado pela Coroa Portuguesa. Óbvio, os irmãos lusos queriam ao máximo preservar sua preciosa colônia enquanto tal, negando-lhe qualquer possibilidade de crescimento intelectual, desde sempre um dos maiores medos do dominador.
Aliás, a questão da universidade sempre foi um problema no Brasil, tanto em seu aspecto conceitual quanto de suas missões, e também do ponto de vista historiográfico. Propostas de implantação se arrastaram durante todo o período colonial, Império e primeiros anos da República, entretanto todas fracassadas, evidentemente. Somente no século XX o país vai conhecer suas primeiras instituições universitárias, ainda assim com algumas ressalvas e descontinuidades.
Primeiramente, não há consenso sobre qual teria sido a primeira universidade em solo brasileiro. Algumas fontes consideram que teria sido a Universidade do Rio de Janeiro (1920), oficialmente instituída pelo governo federal e existente somente no papel, enquanto não passava de uma reunião de três instituições de ensino superior completamente desprovidas de uma identidade gregária e universitária. Antes disso, no entanto, em 1909 havia sido criada a Escola Universitária Livre de Manáos. Posteriormente, em 1911 e 1912, respectivamente, são fundadas a Universidade do São Paulo (não se trata ainda da atual USP) e a Universidade do Paraná. Contudo, todos os três empreendimentos referidos não tiveram longa vida, deixando de existir por razões distintas. A partir daí começam a surgir as primeiras e longevas universidades: em 1927, a Universidade de Minas Gerais, e alguns anos depois, em 1934, a atual Universidade de São Paulo passar a existir.
Ao longo do governo Vargas (1930-1945) o que se viu foi o início de uma regulamentação sistemática do Ensino Superior, a exemplo da instituição do Estatuto das Universidades Brasileiras pelo Decreto nº 19.851, em 1931, pautado no forte centralismo estatal que caracterizou o período. Tal centralismo traduziu-se no campo educacional em políticas autoritárias que iam de encontro ao desenvolvimento de ideais liberais de educação, presentes em Anísio Teixeira e sua Universidade do Distrito Federal, fundada em 1935 e extinta em 1939 por decreto presidencial.
O período posterior conhecido como República Populista (1946-1964) revelou-se um período crucial para o Ensino Superior, havendo um crescimento do número de universidades: de 5 instituições em 1945, passou-se a 37 em 1964. Entre as instituições criadas, ressalta-se a Universidade de Brasília (UnB), em que Anísio Teixeira, mais uma vez, e Darcy Ribeiro estiveram à frente, cujo destaque é em função de sua vocação científica e estrutura organizacional e curricular integrados: pela primeira vez uma universidade nascia não do agrupamento de escolas e faculdades, regra para todas as instituições universitárias já citadas aqui. Infelizmente, o Golpe de 64 pôs abaixo toda o arrojo e inovação da UnB, com episódios lamentáveis de perseguição político-ideológica e interferência gerencial.
A partir daí muita água passou por debaixo da ponte da educação superior: reforma universitária, ditadura militar, redemocratização política, inflação, privatização e recentemente expansão e democratização de acesso. História pra muitos livros, artigos e postagens. O importante aqui é problematizar a problemática questão da universidade no Brasil, como já referido. Em vista de sua constituição histórica, é possível dizer que o Brasil teve seus primeiros exemplares de universidade com o ajuntamento de instituições com vocações estritamente profissionais e distintas, no que diz respeito a objetivo, uma das outras? Em outras palavras, conceitualmente essas instituições eram verdadeiras universidades? Aceitando que uma instituição digna desse nome só existe assentada no tripé ensino-pesquisa-extensão, dificilmente diremos sim à pergunta feita. E aí surge outra indagação: qual teria sido a verdadeira primeira universidade brasileira? Caberia um exame de qual delas teria incorporado os valores da missão tripla.
Em suma, para estudarmos a gênese da universidade brasileira, é preciso ir além das datas de criação, fundação, instituição ou regulamentação, como se nascessem prontas, por vontade divina. Na verdade, são instituições ainda em evolução, tentando-se adaptar ao seu habitat. Papo para depois...
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Primeiramente, não há consenso sobre qual teria sido a primeira universidade em solo brasileiro. Algumas fontes consideram que teria sido a Universidade do Rio de Janeiro (1920), oficialmente instituída pelo governo federal e existente somente no papel, enquanto não passava de uma reunião de três instituições de ensino superior completamente desprovidas de uma identidade gregária e universitária. Antes disso, no entanto, em 1909 havia sido criada a Escola Universitária Livre de Manáos. Posteriormente, em 1911 e 1912, respectivamente, são fundadas a Universidade do São Paulo (não se trata ainda da atual USP) e a Universidade do Paraná. Contudo, todos os três empreendimentos referidos não tiveram longa vida, deixando de existir por razões distintas. A partir daí começam a surgir as primeiras e longevas universidades: em 1927, a Universidade de Minas Gerais, e alguns anos depois, em 1934, a atual Universidade de São Paulo passar a existir.
Ao longo do governo Vargas (1930-1945) o que se viu foi o início de uma regulamentação sistemática do Ensino Superior, a exemplo da instituição do Estatuto das Universidades Brasileiras pelo Decreto nº 19.851, em 1931, pautado no forte centralismo estatal que caracterizou o período. Tal centralismo traduziu-se no campo educacional em políticas autoritárias que iam de encontro ao desenvolvimento de ideais liberais de educação, presentes em Anísio Teixeira e sua Universidade do Distrito Federal, fundada em 1935 e extinta em 1939 por decreto presidencial.
A partir daí muita água passou por debaixo da ponte da educação superior: reforma universitária, ditadura militar, redemocratização política, inflação, privatização e recentemente expansão e democratização de acesso. História pra muitos livros, artigos e postagens. O importante aqui é problematizar a problemática questão da universidade no Brasil, como já referido. Em vista de sua constituição histórica, é possível dizer que o Brasil teve seus primeiros exemplares de universidade com o ajuntamento de instituições com vocações estritamente profissionais e distintas, no que diz respeito a objetivo, uma das outras? Em outras palavras, conceitualmente essas instituições eram verdadeiras universidades? Aceitando que uma instituição digna desse nome só existe assentada no tripé ensino-pesquisa-extensão, dificilmente diremos sim à pergunta feita. E aí surge outra indagação: qual teria sido a verdadeira primeira universidade brasileira? Caberia um exame de qual delas teria incorporado os valores da missão tripla.
Em suma, para estudarmos a gênese da universidade brasileira, é preciso ir além das datas de criação, fundação, instituição ou regulamentação, como se nascessem prontas, por vontade divina. Na verdade, são instituições ainda em evolução, tentando-se adaptar ao seu habitat. Papo para depois...
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¹ Fernando Seabra Santos & Naomar de Almeida Filho. A quarta missão da Universidade: internacionalização universitária na sociedade do conhecimento. Brasília: UnB, 2012.
² Boaventura, Edivaldo. A Construção da Universidade Baiana: Objetivos, Missões e Afrodescendência. Salvador: EDUFBA, 2009, p. 83.
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