terça-feira, 30 de abril de 2013

a gênese da universidade no brasil: criacionismo ou evolução?

Foto da antiga Faculdade de Medicina no Terreiro de Jesus, Salvador
Nasce mais um blogue, e aproveitando a deixa para assuntos de nascimento convém abordar a gênese do ensino superior. Obviamente, procedo a um recorte ao caso brasileiro, em sua condição de relativa simplicidade ao desenvolvimento desse nível de ensino no restante do mundo, que eventualmente será tratado em outra postagem.

Bem, antes de tudo que fique o registro de que a simplicidade é apenas relativa. Como mostram dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, o Brasil em 2008 possuía um sistema de Educação Superior (ES) com uma dotação global de aproximadamente 1,4% do PIB nacional, um indicador maior que de países como a Alemanha, Itália, Espanha e a média da União Europeia¹. Deixando os números de lado, dada já a dimensão da coisa, passemos à história, a qual, infelizmente, não revela muitos fatos, ao menos não tanto quanto gostaríamos.

Tradicionalmente, considera-se que é com a chegada da família real no Brasil que se inaugura o ensino superior no país. Em 18 de Janeiro de 1808, é criada a Escola de Cirurgia, atual Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia, em Salvador. No mesmo ano é instalada a Escola Anatômica, Cirúrgica e Médica do Rio de Janeiro. Em 1827, são criados os Cursos de Ciências Jurídicas e Sociais em São Paulo e Olinda. Completando o grupo das chamadas profissões imperiais, as Engenharias desenvolvem-se ao longo do século XIX, com a implantação de cursos e Escolas Militares, Navais e de Minas. Do modo como foram organizados esses primeiros cursos superiores, duas características são marcantes: a organização autônoma (não-universitária) e a preocupação basicamente profissionalizante.

Mais uma vez relativizando a simplicidade do tema, problematizo adiante esse marco do ES brasileiro. Expulsa de Portugal e suas colônias em 1759, a Companhia de Jesus foi responsável pela educação colonial no Brasil, orientada religiosamente e com um modo de organização curricular que compreendia os estudos secundários e superiores, com direito a cerimônias de graduação acadêmica, anel simbólico, livro de juramento, capelo azul e quatro faculdades superiores². As solenidades e rituais obedeciam ao protocolo da Universidade de Évora, em Portugal, pertencente aos jesuítas, e chegou-se a solicitar o reconhecimento do Colégio dos Jesuítas na Bahia como Universidade, o que foi negado pela Coroa Portuguesa. Óbvio, os irmãos lusos queriam ao máximo preservar sua preciosa colônia enquanto tal, negando-lhe qualquer possibilidade de crescimento intelectual, desde sempre um dos maiores medos do dominador.

Aliás, a questão da universidade sempre foi um problema no Brasil, tanto em seu aspecto conceitual quanto de suas missões, e também do ponto de vista historiográfico. Propostas de implantação se arrastaram durante todo o período colonial, Império e primeiros anos da República, entretanto todas fracassadas, evidentemente. Somente no século XX o país vai conhecer suas primeiras instituições universitárias, ainda assim com algumas ressalvas e descontinuidades.

Primeiramente, não há consenso sobre qual teria sido a primeira universidade em solo brasileiro. Algumas fontes consideram que teria sido a Universidade do Rio de Janeiro (1920), oficialmente instituída pelo governo federal e existente somente no papel, enquanto não passava de uma reunião de três instituições de ensino superior completamente desprovidas de uma identidade gregária e universitária. Antes disso, no entanto, em 1909 havia sido criada a Escola  Universitária  Livre  de Manáos. Posteriormente, em 1911 e 1912, respectivamente, são fundadas a Universidade do São Paulo (não se trata ainda da atual USP) e a Universidade do Paraná. Contudo, todos os três empreendimentos referidos não tiveram longa vida, deixando de existir por razões distintas. A partir daí começam a surgir as primeiras e longevas universidades: em 1927, a Universidade de Minas Gerais, e alguns anos depois, em 1934, a atual Universidade de São Paulo passar a existir.

Ao longo do governo Vargas (1930-1945) o que se viu foi o início de uma regulamentação sistemática do Ensino Superior, a exemplo da instituição do Estatuto das Universidades Brasileiras pelo Decreto nº 19.851, em 1931, pautado no forte centralismo estatal que caracterizou o período. Tal centralismo traduziu-se no campo educacional em políticas autoritárias que iam de encontro ao desenvolvimento de ideais liberais de educação, presentes em Anísio Teixeira e sua Universidade do Distrito Federal, fundada em 1935 e extinta em 1939 por decreto presidencial.

O período posterior conhecido como República Populista (1946-1964) revelou-se um período crucial para o Ensino Superior, havendo um crescimento do número de universidades: de 5 instituições em 1945, passou-se a 37 em 1964. Entre as instituições criadas, ressalta-se a Universidade de Brasília (UnB), em que Anísio Teixeira, mais uma vez, e Darcy Ribeiro estiveram à frente, cujo destaque é em função de sua vocação científica e estrutura organizacional e curricular integrados: pela primeira vez uma universidade nascia não do agrupamento de escolas e faculdades, regra para todas as instituições universitárias já citadas aqui. Infelizmente, o Golpe de 64 pôs abaixo toda o arrojo e inovação da UnB, com episódios lamentáveis de perseguição político-ideológica e interferência gerencial.

A partir daí muita água passou por debaixo da ponte da educação superior: reforma universitária, ditadura militar, redemocratização política, inflação, privatização e recentemente expansão e democratização de acesso. História pra muitos livros, artigos e postagens. O importante aqui é problematizar a problemática questão da universidade no Brasil, como já referido. Em vista de sua constituição histórica, é possível dizer que o Brasil teve seus primeiros exemplares de universidade com o ajuntamento de instituições com vocações estritamente profissionais e distintas, no que diz respeito a objetivo, uma das outras? Em outras palavras, conceitualmente essas instituições eram verdadeiras universidades? Aceitando que uma instituição digna desse nome só existe assentada no tripé ensino-pesquisa-extensão, dificilmente diremos sim à pergunta feita. E aí surge outra indagação: qual teria sido a verdadeira primeira universidade brasileira? Caberia um exame de qual delas teria incorporado os valores da missão tripla.

Em suma, para estudarmos a gênese da universidade brasileira, é preciso ir além das datas de criação, fundação, instituição ou regulamentação, como se nascessem prontas, por vontade divina. Na verdade,  são instituições ainda em evolução, tentando-se adaptar ao seu habitat. Papo para depois...

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¹ Fernando Seabra Santos & Naomar de Almeida Filho. A quarta missão da Universidade: internacionalização universitária na sociedade do conhecimento. Brasília: UnB, 2012.
² Boaventura, Edivaldo. A Construção da Universidade Baiana: Objetivos, Missões e Afrodescendência. Salvador: EDUFBA, 2009, p. 83.


segunda-feira, 29 de abril de 2013

o começo

Intuitivamente, tendemos a relacionar o ensino superior com o crescimento econômico e desenvolvimento social, seja pela formação profissional, pela pesquisa científica ou via extensão universitária. Também a retórica oficial dos governos é da valorização dos sistemas de ensino e investigação, e sobretudo a própria Academia está constantemente pensando e repensando sobre si mesma, suas funções e compromisso social. A produção do conhecimento nesse tema, no entanto, parece não acompanhar a dimensão estratégica referida anteriormente: há no Brasil somente um programa de pós-graduação stricto sensu estritamente voltado para o tema da educação superior, o de Estudos Interdisciplinares sobre a Universidade, oferecido na Universidade Federal da Bahia, e poucos são os programas em Educação que o abordam como linha de pesquisa.

Em face dessa condição, movido por um forte desejo de estudar e escrever sobre a Educação Superior, e assentado na justificativa da relevância social e econômica desses estudos, nasce o blogue a superior educação, adotando-a como objeto de reflexão, através de relatos de pesquisa, notícias e, por que não, anedotas e curiosidades, contribuindo um pouco para a difusão dos estudos sobre o tema.